A Galeria Foco tem o prazer de apresentar Previsão de Deriva, uma exposição individual de Márcio Vilela.
Inauguração dia 29 de setembro, Sexta-feira, a partir das 18h
A perceção que temos de controlar o mundo – mais do que o controlo efetivo de quaisquer fatores – é essencial para o bem-estar porque os seres humanos respondem mais às representações cognitivas que fazem do meio do que aos factos que o determinam (Bandura, 1986, citado por Guedes da Fonseca, 2011). Ou seja, precisamos de acreditar que controlamos alguma coisa para estarmos confortáveis.
Quando vi, pela primeira vez, o projeto Previsão de Deriva (2014-23), no atelier do Márcio Vilela (1978, Recife – Brasil) tive duas sensações ambivalentes. Primeiro, e perante imagens como Ponto de Partida (2021), uma fotografia com mais de dois metros de largura, que mostra uma paisagem marítima sem linha de horizonte, com o mar a ocupar todo o campo visual, tive a sensação que tenho sempre perante este tipo de imagens de natureza que o artista produz com mestria (como a série Superflora, 2020-2021): a sensação de estar a ser invadida por uma imensidão e beleza que me ultrapassa. Num segundo momento, vi uma balsa e alguns elementos que reconheci como elementos de uso exclusivo em emergências no mar, como fachos de mão e parqueadas com estrela vermelha, e documentos da Marinha Portuguesa. Quando o Márcio Vilela descreveu que esteve dentro da balsa no meio do mar, o mesmo mar imenso da imagem, durante 56 horas, não consegui evitar a ansiedade e questionar-me: e se fosse eu, no mar, à deriva? Só me encontraria nessa condição por acidente ou se fosse forçada, mas, mesmo com a certeza da improbabilidade de ser eu naquela situação, não consegui evitar o desconforto e, ao mesmo tempo, a curiosidade.
O trabalho do Márcio Vilela começa, como o meu encontro com este projeto, regra geral, com uma pergunta ou um conjunto de perguntas, seguindo-se a escolha de um método para tentar responder à(s) perguntas(s) e, por fim, um ensaio para uma proposta de resposta que, na verdade, é a tradução visual ou a materialização do percurso no qual tentou procurar algum tipo de resposta. As perguntas que caracterizam o seu trabalho estão unidas por um interesse profundo na paisagem natural e pelas relações entre a arte e a ciência, sendo, por isso, frequente a escolha de processos que implicam colaborações com instituições de investigação em astrofísica, engenharia aeroespacial, hidrografia entre outras. Em Previsão de Deriva (2014-2023), a colaboração com a Marinha Portuguesa foi essencial.
“O que aconteceria se eu, estando numa ilha a sete milhas náuticas da costa, entrasse numa balsa de sobrevivência sem remos, velas ou qualquer outro meio de controle de direção? Quanto tempo levariam as correntes e os ventos a trazer-me de volta a terra? Será que eu chegaria a terra? Ou melhor, será que eu suportaria a viagem? O que é que acontece se deixarmos um objeto à deriva, livremente? Qual será o percurso que irá tomar? Quais são os fatores que determinarão o seu percurso?” Estas foram as perguntas que estiveram na origem de Previsão de Deriva.
Previsão de Deriva é, simultaneamente, um percurso – na verdade, uma deriva – no mar com a duração de 56 horas e uma instalação com filme, fotografia, desenho e objetos que, mais do que documentar a viagem, traduzem-na em várias formas visuais em diversas partes e momentos.
Os títulos de cada parte da instalação dão algumas pistas sobre a viagem. Um monitor CRT mostra um Aviso à navegacão (2021). A única presença humana é a do artista, que podemos vislumbrar na fotografia Momento do Resgate (2021) e nos vídeos Vista aérea (2021) e Very light (2023), imagens demonstrativas da desigual dimensão entre o corpo e do mar. Os títulos dos desenhos, com linhas que desenham formas aparentemente abstratas, dão informações mais concretas: Deriva (87km em 56h)(2021) é, afinal, o desenho do percurso da balsa (e do artista) à deriva ao longo de 87km de mar durante 56h.
Também os elementos de uso exclusivo em emergências no mar, aqui deslocados da sua função inicial (a de salvamento), contribuem para a (re)construção da viagem.
Previsão de Deriva – logo no título – lembra-nos que a existência humana é composta por previsões que nem sempre se realizam ou nem sempre se realizam da forma planeada, por mais que tentemos controlar cada detalhe. Ou seja, apesar de todas as tentativas de controlar o máximo de fatores que condicionam a nossa vida, estamos, muitas vezes, à deriva. E talvez seja precisamente este entendimento que nos deixa, simultaneamente, desconfortáveis e fascinados, paralisados e com um sentimento de urgência de ir.
Texto de Luísa Santos, Setembro 2023