Galeria tem o prazer de apresentar Reservoir, uma exposição individual de Gabriel Ribeiro
Os processos de investigação científica são tão imperfeitos quanto os corpos humanos que os desenvolvem, tornando-os inevitavelmente frágeis e incompletos. Quando comparamos, lado a lado, as etapas processuais da experimentação científica com as da produção artística, encontramos uma semelhança inesperada: ambas começam com o toque e com o erro. Esta exposição celebra essa sobreposição, propondo uma forma de protociência desenvolvida ao longo dos últimos meses pelo artista Gabriel Ribeiro, que tem dedicado a sua prática à investigação da materialidade dos sistemas estruturais através de fenómenos como o fracasso, o acaso e a ação do tempo.
O trabalho de Ribeiro procura os segundos elusivos em que um alinhamento elementar perfeito entre lugar e matéria produz descobertas biomórficas inesperadas. Ao apropriar-se de vocabulários mecânicos, físicos e efémeros, a exposição reformula princípios científicos em proposições estéticas: objetos comuns de laboratório, como o tubo, a garrafa e a esfera, são aqui desmontados, recombinados e reimaginados. Estes já não desempenham as suas funções originais, mas passam a existir como parte de uma ciência especulativa, um sistema onde o comportamento mecânico, a circulação de fluidos e o funcionamento interno do corpo se sobrepõem.
Reservoir refere-se tanto a um recipiente físico como a um conceito, criando um espaço onde a água como material, metáfora e ausência, flui (ou tenta fluir) através de múltiplos sistemas. Ao longo do espaço da galeria, Ribeiro constrói redes de tubos, vasos e recipientes porosos que evocam infraestruturas de transporte e filtração, ao mesmo tempo que as sabota. A água escorre, evapora, perfura e desaparece, um processo que o artista descreve como “emergência hídrica” . As obras esculturais não pretendem provar uma hipótese, mas encarnar testes, erros e transformações, revelando uma tensão entre análise rigorosa e intuição poética. Se os objetos expostos representam experiências bem sucedidas ou fracassadas permanece intencionalmente ambíguo.
Esta sensação de crise gera símbolos inesperados. Uma passa, por exemplo, torna-se uma ode à metamorfose: uma uva outrora lisa e brilhante transforma-se numa superfície topográfica e texturada, a sua integridade é redefinida pela perda. Da mesma forma, as obras convidam-nos a considerar recipientes que não conseguem guardar, tubos que não conduzem a parte alguma e superfícies transparentes que se transformam com o pigmento ou pela exposição ao calor. Evocam processos fotográficos desprovidos de mecanismos, reações químicas dependentes da luz solar, da meteorologia mas também do acaso e do cuidado. Estes objetos não são acidentes, mas estratégias, desestabilizando deliberadamente as nossas expectativas de certeza científica e controlo estético.
Ao subverter metodologias canónicas e sabotar o conhecimento anatómico, Ribeiro formula o seu próprio léxico: um híbrido de arte, ciência e especulação. Reservoir é simultaneamente uma exposição e um laboratório experimental, onde os sistemas são testados, corrompidos e recalibrados. Convida-nos a olhar atentamente, não em busca de respostas definitivas, mas de portais de possibilidade: do geométrico ao orgânico, da infraestrutura à célula, da precisão ao não intencional.
Francisca Portugal
Setembro de 2025