Amour, 2021
Pele de tinta, malas, lâmpadas led, acrílico, madeira, espelho, fita tecido, vidro acrílico
217x134x22 cm
VAGAMENTE UM SEGREDO OU UM ABRIGO PARA TÃO LONGA FUGA
Na tela há, afinal, tantas coisas? Há a força de um sonho estabilizado, tão duro como a carapaça de um insecto e cheio de patas apontadas a todos os sentidos do céu. Antonin Artaud
Armadilhas, teias, malas. As pessoas e os objectos. Como esses viajantes kantorianos. Bio-objectos e organismos. A pele e o voo. Uns dos outros. Nómadas, sem fim, sem casa e sem pátria. Artistas e outros ambulantes que atravessam a exposição. Neste teatro de situações, a arte é uma viagem cheia de pessoas incompreensíveis para os outros ou um estado da matéria, disse Kantor. Por vezes basta essa condição inferior. A objectualidade do conceito e a intensidade da realidade. Novas configurações, práticas espaciais sempre incompletas que tanto se desdobram em montanhas erráticas como fazem alastrar corpos abertos que se enunciam como flechas. A indeterminação que obscurece e turva encontra na luz o perfeito duplo. Um golpe de teatro. O poder do jogo.
Objecto-matéria que incorpora a prática pictórica. Trajectos que se desenham entre memória pessoal e colectiva. O início e o fim. Os dias. A vida e a morte. A arte que acontece nesse espaço de transição. Materialidade em fluxo. Transportar para uma coisa o nome da outra, assim definiu Aristóteles o lugar da metáfora que não é apenas relação mas também lugar e forma do pensamento. O tempo em lugares, vozes e usos sem narrativa histórica.
Mecanismos e dispositivos flutuantes. Espelhos e imagens. Tantos nomes, tantas heteronímias. As línguas e o estado de guerra. A história convertida em palavras estrangeiras que nos devolvem o silêncio. Um exterior. Talvez um diário íntimo. Sem lugar fixo. A mãe. Os refugiados. Onde tudo se funde. O barco. O inferno ou uma promessa. A casa.
Eduarda Neves
(A autora escreve segundo a antiga ortografia)
Fotografias: Photodocumenta